
Tudo o que vejo, pingos de tinta
no chão de azulejo, os desenhos
na parede, os cd's na estante,
amanhece, escurece num instante;
tênis, fiéis ouvintes meus, e papéis
sobre a velha cômoda, fragmentos de
momentos não vividos em versos de
frustrações, o dever cumprido, o término
do dia, deitar com os segredos da fria
noite vazia, e adormecer após sair do
peito algumas queixas, em alguma AM
Raul Seixas cantarola pra morte, mais
ou menos assim:" Vou te encontrar
vestida de cetim, pois em qualquer
lugar esperas só por mim".

Quem vem lá, quem vem lá,
de braços dados com o alvorecer?
Eis um perdido, ao longe, no adentrar
das madrugadas, ou teria se desnorteado
nos traços onde se formaram teu rosto
na chuva? Ou seria na longa curva dos
teus lábios? A lágrima no olho, a janela
vazia, e minhas roupas úmidas, sob as
únicas testemunhas da minha solidão,
aves de verão emigrantes de mim,
deixando-me cá com esse meu inverno
constante...

Com "suavidade musicada" adentram os raios de sol
naquele quarto da mais alta torre da cidade acinzentada,
cenário onde jaz meu amor imaginário, e já há anos, sem
planos sequer de qual amanhecer haverá de despertar;
dia após dia esperando que ela acorde, emano "cores sonoras"
em minhas preces de bem-querer, e acordes de valsa, afim de
ver-te bailar sobre nuvens de sonhos descalços que cruzam
o solitário céu da minha boca, quer entardeça, quer escureça,
oxalá, nunca te esqueça.

Beija a noite
os seus amados,
levados à encantos
por estrelas amantes,
reluzentes em seus corpos,
e ainda assim, invisível à olhos
teus, cá com estes tristes lábios
meus que nunca alcançam a maciez
do teu rosto, nem mesmo o calor da
pele, em toda tua singular morenês,
era uma vez um perdido, que sonhou
e acordou em mais um dia de incertezas,
e não importa onde vá, onde quer que esteja,
que não eu, solitária, a noite beija...

Quero porque quero um dia
ver-te adormecer tranquila, esquecer
de como a vi naquele sonho, sentada
sobre nuvens de um pôr-do-sol, teu olhar,
um farol dando curso à solitários navegantes
sem luar, dos quais, eu, em mais uma noite
de lábios flamejantes, alma inflamada porque
não a tive, mas certo é que te vi na fuga dos
teus últimos traços gentis de ternura, quando
então paraste de me sorrir, subitamente, nem
tua imagem tinha mais, era já de manhãzinha,
e sem decoro, à essa altura acordei me acabando em choro...
Eu não sou daqui,
não desse estado,
nem desse pijama listrado,
não sou do dia de hoje;
talvez eu pertença à
este poema intitulado
"sentença", e só exista
pra que Deus insista em
me trazer pra vida real,
e telefonemas que não recebo,
e tal, sei lá, quando menos percebo
já é o fim do dia, rabiscaram as
alegrias de mim. Quisera nunca
ter saído das entrelinhas pra me
tornar esse verso triste, uma estrofe
à menos, e ficaria implícito que aquele
olhar sincero existe, sei lá, bem que os
ventos poderiam ser amenos, e as noites
mais serenas, todos ao meu redor têm
mentido muito pra mim, inclusive eu
mesmo, mas não queria, e por isso peço
à Deus baixinho quase todo dia pra que
possa voltar à morar na segurança da minha poesia...